Realismo -- Ou a Falta Dele

Sistemas de RPG são jogos sui generis porque têm a pretensão de imitar a realidade. É o que os difere de jogos de tabuleiro comuns – todos os jogos traduzem alguma parte da realidade em números, fichas, posições e outros aspectos para uma representação diferente, mas jogos de tabuleiro, ainda que complexos e abrangentes, restringem essa abstração a um conjunto relativamente pequeno de características. Já RPGs, por sua própria natureza aberta, exigem que qualquer coisa possa ser abstraída em termos de jogo.

Exemplo
Por exemplo, em um jogo como Monopoly, personagens não vão escalar montanhas – não importa o quanto os jogadores desejem isso. Em RPG, essa é uma possibilidade, mesmo que o MJ jamais tenha pensado nela. Todos os outros jogos de tabuleiro têm restrições semelhantes.

Note que isso não quer dizer que projetar jogos de tabuleiro seja uma tarefa menos complicada ou que eles sejam menos divertidos por causa disso. Pelo contrário, encontrar um conjunto de regras que modele bem uma atividade específica sem descartar a diversão pode ser algo bastante difícil.

Acredito que todos que se propuseram a criar um sistema de RPG se depararam com a ideia de fazê-lo o mais realista possível. Afinal, modelar o mundo real de tal forma que os personagens possam se aventurar nele é o desejo do projetista. Mas acredito também que todos que tentaram fazer isso desistiram de alguma forma – ou desistiram de seu sistema, ou abandonaram o realismo.

Analise da seguinte forma: quantas coisas diferentes influenciam uma situação qualquer? Vamos pegar um exemplo bastante simples: um corpo rolando em um plano inclinado (não se preocupe, não vamos fazer cálculos aqui). Você provavelmente se lembra dos problemas no seu livro de Física no Ensino Médio: era dada uma série de informações sobre a situação (como a massa do corpo, inclinação do plano, comprimento do plano, altura, etc. etc.) e mais um monte de coisas a serem desconsideradas (resistência do ar, atrito, etc.) – e isso em um problema puramente teórico que nem sempre representa a realidade! Existe uma certa probabilidade de você odiar Física exatamente por esse motivo.

Agora, considere uma situação que acontece em uma cena em um jogo de RPG. Quantas variáveis diferentes afetam o desenrolar da cena? Mesmo uma cena técnica, como um Combate detalhado, em que se levam em consideração dezenas de características, é impossível modelar todas elas e decidir quais devem ser desconsideradas e ainda manter um nexo com o que acontece de verdade.

Resumindo: é impossível representar fielmente a realidade com meia dúzia de números.

(Nós poderíamos ir ainda mais adiante em outros tipos de complicações matemáticas, mas acho que isso já estabelece o que estou querendo dizer. Se ainda é necessário um argumento, pense o seguinte: reduzir a realidade à menor quantidade possível de números e equações é exatamente o que cientistas estão tentando fazer!)

E, uma vez tendo provado que é matematicamente impossível um RPG ser realista, há um fator adicional: o desenrolar da história depende muito mais do que o MJ coloca no enredo do que das causas e consequências do sistema de jogo. Se o MJ não tem conhecimento de como uma coisa funciona, a probabilidade do resultado ser fora da realidade é imensa. Por exemplo: se o MJ não conhece o funcionamento de uma máquina a vapor, ele não tem como descrever de maneira realista o que acontece quando uma delas explode. Ele pode (e deveria) pesquisar, mas muitas vezes situações assim aparecem em jogo e não têm como ser resolvidas rapidamente ou sem tornar o jogo enfadonho.

Então, o que é que dá pra fazer em termos de “realismo” em RPGs e – principalmente – por que tantos sistemas clamam que conseguem? A resposta é simples: esses sistemas atingiram algo diferente: suspensão de descrédito. Esse termo é muito usado em análise de filmes e literatura, e consiste naquele momento em que você não se importa mais se o que está vendo é “verdadeiro” ou não – apenas a história se torna importante. Quantas lutas de espada são terrivelmente falsas mas você não se importou porque a história era envolvente?

Sistemas diferentes conseguem isso de maneiras diferentes. Alguns exemplos:

Quando você for criar o seu sistema, você pode pensar no quanto deseja que ele seja realista, em termos de converter situações do mundo real em probabilidades adequadas resolvidas através de dados – mas tenha em mente que você não vai alcançar um resultado perfeito. Mas tenha certeza de que o sistema cria suspensão de descrédito de alguma forma, e a diversão dos jogadores estará garantida.