Tradicionalmente, a Habilidade em Magia em jogos de RPG é tratada como uma lista de feitiços ao qual o mago tem acesso. Ele aprende e treina alguns feitiços, decora-os durante seu descanso, e os utiliza quando a oportunidade aparece. Mas nem toda Magia precisa ser feita dessa maneira. O sistema abaixo descreve uma forma diferente de lidar com esse Poder.
Em diversos momentos da história da humanidade, e em diversos locais também, os sábios descreviam a existência como a combinação de diferentes Elementos: normalmente, Água, Ar, Fogo e Terra, cuja combinação em proporções adequadas poderia formar – pelo menos em princípio – qualquer forma de matéria ou energia existente no mundo. Essa filosofia não se restringia, no mundo real, apenas a elementos de magia ou alquimia: ainda que falha, era a descrição da realidade conhecida.
A ideia pode ser adaptada para representar a Magia em um cenário de RPG, com algumas vantagens e desvantagens. Como vantagem principal, a Magia Elemental dá ao jogador a liberdade de escolher efeitos extraordinários e inusitados, que podem ser surpreendentes e excitantes em uma aventura. Além disso, a adoção dessa forma permite, automaticamente, adicionar um elemento fantástico à descrição da ambientação.
Como desvantagem, no entanto, essa liberdade exige mais criatividade e atenção dos jogadores, e nem sempre é fácil criar um efeito no calor do momento. Mas existem soluções para isso (veja mais abaixo como).
Exemplo
Existem diversas obras da cultura moderna que utilizam essa ideia. Se você assistiu as animações do universo de Avatar (A Lenda de Aang e A Lenda de Korra), não é algo muito diferente daquilo. Em jogos de RPG, Magia Elemental tem sido utilizada desde o princípio. O sistema descrito aqui, no entanto, segue de perto o excelente Ars Magica, em que os elementos não apenas são objetos de feitiços, mas descrevem a própria filosofia do cenário. É uma leitura bastante indicada!
A Magia Elemental se baseia em dois princípios básicos:
A Afinidade do mago com um ou mais Elementos, os quais ele compreende bem e consegue usar para criar os efeitos desejados.
As Habilidades que permitem ao mago criar, manipular, controlar e realizar outras ações envolvendo um ou mais Elementos.
A evocação de um feitiço é algo muito semelhante à combinação de um verbo com um objeto, em que o objeto é o Elemento a ser manipulado, e o verbo é o tipo de controle que se deseja realizar sobre ele.
Exemplo
Kaylee deseja criar uma pequena bola de fogo em seu cajado para iluminar o caminho a frente. O objeto é o Elemento Fogo, e o verbo é a ação de criar.
Os Elementos estão descritos abaixo. Pelo menos em princípio, pelo significado de cada palavra, seu alcance não seria muito extenso, mas lembre-se que, na visão do mundo calcada sobre os Elementos, cada palavra pode abarcar coisas bem semelhantes – o quanto, exatamente, depende da decisão do Mestre do Jogo, mas a sugestão é permitir um alcance abrangente.
Água: elemento fluido, relaciona-se a todas as coisas na forma líquida. Pode incluir coisas como bebidas alcóolicas, venenos em forma líquida, sangue e, se o MJ assim desejar, mercúrio líquido. Por sua relação com o sangue, está relacionado com a saúde de um indivíduo, e é o Elemento a ser invocado quando o desejo é curar (ou machucar) alguém.
Ar: relaciona-se a todas as coisas na forma gasosa, que podem expandir ou contrair em um espaço fechado. O mago que conhece esse elemento entende melhor as condições de tempo. Em um indivíduo, o Ar é normalmente relacionado aos seus processos mentais.
Fogo: o mais perigoso dos elementos, está relacionado a tudo que envolva energia, como a gerada pela combustão de materiais, mas também calor e luz. Em um indivíduo, o Fogo é costumeiramente relacionado ao seu estado de espírito.
Terra: envolve tudo que é sólido e denso, com uma grande variação, envolvendo desde areia até rochas pesadas, e metais se o MJ assim permitir. No indivíduo, a conexão com os arredores é associada à sua percepção.
No Scop, a Afinidade com cada Elemento é um Poder com níveis, que provê os seguintes benefícios e limitações:
Em qualquer teste mundano (ou seja, de uma Habilidade não-mágica), a Afinidade com o Elemento provê o seu nível em dados de bônus, como se fosse um Conceito.
O nível da Afinidade com o Elemento limita a quantidade de dados adicionais que uma Habilidade provê ao teste de Magia (veja os exemplos abaixo).
O nível da Afinidade com o Elemento, no entanto, é adicionado ao Efeito do teste, quando ele é bem-sucedido.
Exemplo
Kaylee é uma Maga Elemental. Ela tem Afinidade com Fogo em nível +2, e com Água em nível +1. Se ela tenta realizar alguma Tarefa mundana relacionada a esses dois elementos, ela recebe dados adicionais como um Conceito qualquer. Por exemplo, se ela tenta determinar a profundidade de um rio, sua Afinidade com a Água é ativada, e ela recebe um dado adicional. Se ela tenta descobrir há quanto tempo uma fogueira esteve acesa, sua Afinidade com o Fogo lhe dá mais 2 dados.
Como acontece com todo Poder, apenas conhecê-lo não é o suficiente para usá-lo de maneira efetiva: é necessário conhecer algumas Habilidades. Na Magia Elemental, as Habilidades são ações que podem ser realizadas sobre cada um dos Elementos, descritas por um verbo:
Compreender: essa ação permite ao Mago investigar, raciocinar, perceber e deduzir coisas relacionadas a eventos que, de alguma forma, envolvem o Elemento associado. Essa percepção é mágica, e envolve informações que não seriam encontradas sem o uso de Magia: você pode saber se existe um corpo de água nas proximidades, em qual direção ele se encontra e a que distância apenas sentindo a presença do Elemento, por exemplo.
Criar: permite ao mago criar alguma quantidade do elemento. O Elemento é criado em sua forma pura, ou seja, sem modificações: a Água é pura e pode ser bebida, a Terra não contém raízes nem o Ar impurezas.
Destruir: o mago é capaz de destruir e eliminar uma certa quantidade do Elemento. A substância some sem deixar vestígios, mas se o mago assim desejar, pode fazer com que a destruição tenha efeitos especiais que deixem claro a quem observa o que aconteceu.
Manipular: o personagem é capaz de exercer controle sobre uma determinada quantidade do Elemento que esteja em sua presença. Note que ele não é capaz de aumentar ou diminuir essa quantidade (para isso seria necessário Criar ou Destruir), mas pode movê-la, dar forma, defender-se contra ataques que o utilizem ou usá-lo como arma. O mago também pode usar essa ação para transmutar um Elemento para uma outra instância da mesma natureza (por exemplo, transformar terra em areia, ou água em vinho).
As quantidades do Elemento que os feitiços conseguem criar, destruir ou manipular são dadas pelo Nível de Sucesso da jogada. Isso inclui também o Dano causado quando as magias são usadas em combates. Consulte os Efeitos, caso queira uma avaliação mais precisa.
Exemplo
Ao final do dia, o grupo de Kaylee tem sede, pois não conseguiu encontrar água. Kaylee resolve Criar Água para que ela e seus companheiros possam beber. Como o Elemento é criado em sua forma mais pura, o líquido é perfeitamente potável. Ao realizar o teste de sua Magia, Kaylee obtém 4 – o suficiente para que quatro pessoas possam se saciar. Infelizmente, o grupo possui cinco integrantes, então eles decidem racionar a água criada.
Colocar em ação a Magia Elemental não difere essencialmente da forma como qualquer outro Poder é usado. O personagem declara o efeito que deseja gerar, indicando qual Ação e Elemento está combinando, e gasta 1 ponto de Energia. Essa Energia é usada mesmo se a Magia falhar. Você não pode realizar um efeito com um Elemento com o qual não tenha Afinidade.
A diferença vem apenas na forma como a quantidade de dados a ser jogada é calculada, mas ela é pequena. Comece com dois dados e acrescente os dados de bônus e penalidades devidos aos Conceitos relevantes, como em uma jogada normal. No entanto, o número de dados acrescentados devido à Habilidade não pode ser maior que o nível do Elemento sendo manipulado! Jogue os dados e compute o resultado normalmente, e adicione o nível da Afinidade com o Elemento ao Nível de Sucesso da jogada, caso ela tenha sido bem-sucedida.
Exemplo
Kaylee deseja criar uma certa quantidade de água para seu grupo saciar a sede. Seu Conceito de Maga, é claro, entra em ação, então ela adiciona 1 dado à sua mão. Sua Habilidade de Criar é +2, mas sua Afinidade com a Água é de apenas 1, portanto, ela pode acrescentar apenas um dado a mais no seu teste. Ela joga os quatro dados e obtém 1, 2, 5 e 8, totalizando 3 em sua jogada. Como não houve falha, ela adiciona o nível da Afinidade, obtendo o resultado final de 4.
Você pode combinar mais de um Elemento, se você tiver Afinidade com eles, considerando como o nível efetivo o menor entre eles. Da mesma forma, você também pode combinar duas Habilidades, utilizando o menor nível entre as duas.
Exemplo
Kaylee deseja criar uma nuvem de vapor e direcioná-la em direção aos seus inimigos, cegando-os e ferindo-os com o calor ao mesmo tempo. Essa é uma combinação dos Elementos Fogo e Água, e das Habilidades Criar e Manipular.
Entre os Elementos, Kaylee conhece Fogo com nível 2 e Água com nível 1, portanto, o nível efetivo de sua Afinidade é 1. Das duas Habilidades, ela tem Criar +2 e Manipular +3, então sua Habilidade efetiva é +2. Com isso, ao tentar criar esse efeito, Kaylee ganha apenas um dado a mais.
Para outros detalhes de como utilizar a Magia Elemental, confira os Poderes.
Cuidado com as Combinações!
É possível notar que, em sistemas como esse, o jogador tem uma imensa liberdade de criar efeitos extraordinários. Essa liberdade, no entanto, pode gerar alguns efeitos colaterais que devem estar sempre na mente do Mestre do Jogo, como a existência de combinações muito poderosas.
O próprio sistema é capaz de controlar a magnitude dos efeitos, pois eles dependem apenas dos resultados dos dados. Por exemplo, um personagem não vai conseguir gerar sozinho e instantaneamente um fogo capaz de incinerar a fortaleza inimiga – os resultados dos dados não têm esse alcance.
Mas a combinação de certas Ações com certos Elementos pode causar problemas, especialmente com alguns Elementos que podem ser um pouco mais poderosos (veja a Seção do Criador abaixo). Por exemplo, um personagem pode ter a combinação Criar Vida. Em teoria, essa combinação seria o indicado para curar ferimentos causados em batalha ou eliminar doenças, por exemplo. Na prática, um personagem pode tentar uilizá-lo para criar um golem ou ressuscitar um companheiro caído em batalha.
Em casos como esse, utilize o bom-senso. O mais indicado é que o resultado nos dados seja tão alto que seja impossível um personagem sozinho e em apenas um teste seja capaz de ter sucesso. Ressuscitar uma pessoa morta, por exemplo, pode ter dificuldade 80 ou 100 – possível apenas com a colaboração de várias pessoas em um ritual demorado.
Você também pode limitar o alcance dos efeitos: dar vida a um golem é uma coisa, uma outra completamente diferente é dar a ele inteligência.
Resistência
Essa característica é inerente à descrição de um Poder, mas vale a pena mencioná-la aqui: um personagem pode ter Resistência a um Elemento. Isso é a mesma coisa que ter uma Afinidade negativa: o personagem não pode criar efeitos associados a esse Elemento, mas qualquer ação feita sobre ele recebe uma penalidade.
Outros Elementos
Os Elementos descritos acima são os tradicionalmente encontrados em cenários de Fantasia, especialmente os baseados em Fantasia Medieval Europeia. Não existe, no entanto, absolutamente nada que o impeça de criar um sistema que trabalhe com outros Elementos. Você pode dar o tom da aventura indicando quais Afinidades estão disponíveis.
Se você achar que os Elementos tradicionais são muito limitados, adicione coisas como Vida, Mente, Espírito ou outros que achar adequado. Um efeito como Manipular Mente, por exemplo, poderia criar falsas memórias em uma pessoa. Um cenário baseado na China Antiga, por exemplo, pode usar Água, Ar, Fogo, Metal e Madeira, os Elementos típicos da filosofia oriental antiga. Um cenário de Fantasia Moderna poderia fazer uma decomposição próxima das grandezas físicas, como Tempo, Matéria, Espaço, Energia, e outros.
Lembre-se: a sua escolha de Elementos é uma representação da visão de mundo que os habitantes do seu cenário têm, então escolha-os com cuidado!